Realização, Argumento, Produção, Fotografia e Montagem: Manoel de Oliveira
Música: Joly Braga Santos
Som: Manuel Fortes, Fernando Jorge e Domingos Carneiro
“Imaginei A Caça porque li num jornal sobre um rapaz que se tinha afundado na areia movediça e outro, com medo, não o socorreu e fugiu. Inspirei-me nisso para fazer a história de A Caça.” (Manoel de Oliveira) No filme, dois rapazes desocupados atravessam um aglomerado urbano, encostam-se às paredes das casas para deixar passar as camionetas em ruas demasiado estreitas, deambulam pelo campo, caminham pelas linhas férreas, simulam a caça mas têm apenas fisgas, desentendem-se, perdem-se de vista, até que um deles cai num pântano, começando a afundar-se lentamente. O amigo grita por socorro, acena a um barco que navega demasiado longe, tenta parar um comboio excessivamente rápido e corre em direcção à aldeia onde finalmente consegue ajuda. Vários homens mobilizam-se para acudir o rapaz em perigo, descobrindo-o já submerso, coberto de lama preta. Formam um cordão humano para o tirar dali, mas essa cadeia de solidariedade rompe-se porque os salvadores começam a discutir entre si. Um dos homens cai também nas areias movediças e berra: “A mão, a mão!”, esticando o braço onde lhe falta precisamente uma mão. “Nunca pensei que o homem que fosse salvar não tivesse mão. Nunca me lembrei disso. Mas, por acaso, o homem que nos fazia o transporte das máquinas, numa charretezinha que tinha, era maneta. Não tinha uma mão e eu lembrei-me logo: ‘Este homem é excelente para pedir a mão a alguém, ele que a não tem.’ É que o cinema tem imprevistos que não resultam propriamente em improvisos, mas que são aproveitados para benefício da história.” (Manoel de Oliveira)
Alexandre Alves Costa, afilhado de Manoel de Oliveira e assistente de filmagem em A Caça, lembra essa capacidade do cineasta de transformar a realidade em ficção. “Aquelas paisagens mortas, aquelas personagens sem sentido ou sem significado, de repente, com as coisas que ele inventava, ganhavam uma vida diferente. Era muito bonito ouvi-lo e a forma como ele, na realidade do dia-a-dia e numa viagem simples, transformava a realidade em ficção e de repente transformava aquela realidade numa coisa viva. Por exemplo, na Caça, lembro-me de uma viagem para a Vagueira, onde o filme foi feito, íamos muito devagarinho atrás de um camião, que passou por uma vila e raspava pelas paredes, nas curvas deitava sempre um bocado da casa abaixo, uma coisa que o Manoel adorou. E filmou isso tudo. Ele transformava a própria experiência do momento em objecto.” (Alexandre Alves Costa) Uma das sequências iniciais do filme, em que Oliveira mostra uma raposa dentro de um galinheiro, representa a luta pela sobrevivência, que ainda assim não desvenda o acontecimento marcante que aparece inesperadamente na última parte do filme. Mas o início da curta-metragem mostra também a decadência daquele lugar através da arquitectura de casas semidestruídas ou de alguns elementos escultóricos que delas fazem parte e se tornam simbólicos do que irá acontecer, com uma estátua de mulher a representar a juventude e uma águia a retratar a morte. Oliveira tinha a intenção de ir mais longe nessa utilização simbólica do espaço, tendo pensado numa cena que incluía uma parte da vila destruída por um qualquer conflito. “Numa das cenas da Caça, passada na guerra, que depois ele não pôs no filme, tinha havido uma catástrofe qualquer, a aldeia tinha sido bombardeada, destruída, e havia uma filmagem na praça onde aparecia um esqueleto dum cavalo, que eu lhe arranjei porque tínhamos um na nossa casa de Barroselas e fomos buscá-lo para o pôr no meio da praça. E ele pediu-nos para pôr a praça com um ar de ruína. Falou com os moradores todos, disse-lhes que faria obras de recuperação de tudo mas que estes três meninos iam dar um ar de destruído àquilo. E nós, de martelo e picareta, começámos a picar o reboco das casas, pegámos num molhe de palha a arder para com o fumo enegrecer as paredes, para darmos à praça um ar de uma coisa que tinha sido bombardeada e abandonada. E isso foi muitíssimo divertido.” (Alexandre Alves Costa)