O Bloco das Águas Livres foi desenhado por Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral nos anos cinquenta do século XX e beneficiou de uma particular relação entre os arquitectos e o cliente (a seguradora Fidelidade), já que não havia um orçamento definido à partida, aceitando-se como premissa um elevado nível de construção e um novo modelo de habitar. Os espaços comuns do Bloco das Águas Livres, na forma como foram concebidos, não só procuram estabelecer uma convivialidade entre os seus habitantes como também a representam, fazendo com que, mesmo quando esses espaços são experienciados solitariamente, os utentes se sintam fazer parte de uma comunidade mais alargada. A irrepetível generosidade espacial do principal átrio de entrada - com dois níveis e pés direitos duplos acentuados por um painel de Almada Negreiros - e uma organização que permite aceder quer aos elevadores quer às amplas galerias de serviço, transformam a vivência do edifício numa experiência em que a palavra ‘colectivo’ não é apenas uma intenção retórica. Através desses espaços comuns, onde se percebe um particular cuidado no desenho, existe a possibilidade de circular entre as diferentes valências do edifício, que, para além dos apartamentos, inclui lojas, escritórios, lavandaria e, no último piso, ateliers e uma sala de convívio. Essa circulação é conseguida sem compartimentações limitadoras, apesar de ser clara a separação entre os circuitos dos habitantes e aqueles dedicados a actividades de serviço. Também no interior dos apartamentos foram propostas novas concepções de habitar, tais como a inclusão de um lavatório independente no átrio dos quartos, a inexistência de autónomas salas de jantar ou de visitas, como era regra até então, ou um cuidado estudo da cor nas paredes e tectos, da autoria de Frederico George. E até o quarto da empregada, que apenas estava previsto nos apartamentos maiores, se autonomizou da cozinha, prevendo a sua utilização futura para outros fins. Nas salas, a forma como as varandas foram desenhadas, fazendo parte integrante do espaço interior, potencia não apenas as deslumbrantes vistas para as colinas da cidade e o rio Tejo mas igualmente a manutenção da privacidade entre os diferentes apartamentos.
Apesar de influenciado pelo Bloco de Habitação de Marselha de Le Corbusier, o Bloco das Águas Livres incluiu já a crítica a algumas das premissas modernistas, por exemplo, não levantando o edifício sobre pilotis, o que permite uma relação urbana mais intensa do conjunto de lojas organizadas num pequeno pódio ou dos próprios átrios de entrada, o principal relacionado com a Praça das Águas Livres e um secundário com a Rua Gorgel do Amaral. Essa ‘revisão’ é também perceptível na conjugação de dois modelos de circulação, a modernista galeria dedicada aos serviços e o “sistema tão lisboeta de esquerdo/direito” de acesso aos apartamentos, através de pequenos átrios a que se chega de elevador. Ou ainda na combinação de materiais modernos, como o betão e a pastilha de vidro, com outros que se inserem na tradição da cidade, como o reboco rosa da fachada principal ou os muros de calcário no pódio das lojas e nas entradas dos átrios, estas últimas marcadas por esculturas de Jorge Vieira. Nesse sentido, também o Bloco das Águas Livres se constitui, tal como o Mercado de Vila da Feira, como uma obra de charneira na arquitectura portuguesa, essencialmente modernista mas incluindo já muitas das características do realismo humanista que marcará a década de sessenta.
Luis Urbano in Entre Dois Mundos. Arquitectura e Cinema em Portugal, 1959-1974