As casas que Siza desenhou ao longo da década de sessenta estavam voluntária e invariavelmente viradas para o interior dos lotes onde se implantavam, deixando a relação com a cidade a cargo de planos quase cegos - “procurava criar um pequeno paraíso impossível, como todos os paraísos” - mas na Casa Beires, que projecta e constrói em 1973, a atitude é a oposta, num exercício de autocrítica onde as angústias da sua geração estão presentes. “A Casa Beires é posterior a uma outra casa, feita ao pé, em que o caminho era: olhando na periferia, no entorno, tudo era um desastre. ‘Vamos criar casas interiorizadas, casas que ignorem o exterior e que criem o seu território próprio com determinadas intenções, como paraísos fechados’. E a Casa Beires vem depois. Corresponde a uma ideia de que isto não é caminho, porque nós trabalhamos no meio do que acontece em torno e, portanto, nada de fechar as casas e nada de ignorar o entorno.” Quando Siza fez o projecto não acreditava que a casa viesse a ser construída, já que a família tinha poucas posses, o que talvez justifique a crítica quase provocatória à suburbanidade do lote implícita na radicalidade da proposta. Mas aconteceu que os proprietários receberam uma herança e decidiram avançar com a construção: “Tive que manter a ideia, já não podia dizer que não.” “O que aconteceu ali foi que a família que me encomendou aquela casa, encomendou-a porque gostava de uma outra que eu fiz antes na Maia e que era num jardim grande. A casa fazia um arco e tinha no meio uma árvore, era portanto um pátio. Gostaram muito, eu fiz um primeiro projecto, não era nada daquilo e depois pediram-me: ‘Nós queríamos um pátio, como fez na Maia.’ Eu respondi que não havia espaço para isso, o lote era muito pequeno. Depois lá inventei um pátio, entusiasmei-me com a expressão arquitectónica daquele edifício, que tinha naturalmente outras origens. Chamaram-lhe a ‘casa bomba’, parecia que tinha caído ali uma bomba. Que tenha sido um manifesto consciente, não, não foi, de modo algum.”
Luis Urbano in Entre Dois Mundos. Arquitectura e Cinema em Portugal, 1959-1974