“Uma das características maiores da arquitectura sacra reside no facto desta traduzir directamente conceitos teóricos, neste caso uma nova liturgia. Isso confere-lhe um valor arquitectónico que ultrapassa os limites da simples concepção ou construção. A Igreja do Sagrado Coração de Jesus é disso um exemplo. Após as experiências das Igrejas de Águas e de Moscavide, e um amadurecimento intelectual incentivado pelo MRAR, Teotónio Pereira e Nuno Portas desenham um dos mais importantes espaços sagrados da arquitectura moderna e, sem dúvida, um dos mais belos. Este comentário poderia concentrar-se numa análise técnica ou construtiva, mas aqui o que importa é o espaço. É certo que o betão que o define é importante, mas o verdadeiro valor reside na tradução de uma nova liturgia através de uma nova arquitectura. O espaço interior é unitário, o presbitério e a nave fundem-se numa particular relação de simetria/assimetria ou mesmo convergência/divergência, a luz é de tal forma estática que ganha um peso quase insustentável e simultaneamente absorvida pela projecção do pequeno lanternim sobre o púlpito, que distingue uma luz de tal forma dramática que realça delicadamente a metáfora entre o sagrado e o humano. O desenho do espaço é complexo, contudo, entre o ortogonal e o oblíquo, entre reentrâncias e diferenças de cotas, a diversidade nunca se sobrepõem à imagem unitária que o conjunto transmite. E mais do que isso, nunca se perde a noção do que representa este espaço.”
Ana Tostões in Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa dos Anos 50