Filmado no Porto, Panorama incorpora o tema dos edifícios em altura, de uma cidade distante mas interiorizada, a partir da apropriação de personagens e imaginários que, embora exteriores à especificidade cultural portuguesa e portuense, habitam com uma certa naturalidade o desencanto e a melancolia. “A arquitectura medeia e evoca sentimentos existenciais e sensações. Contudo, a arquitectura do nosso tempo normalizou as emoções e frequentemente elimina por completo emoções extremadas como a tristeza ou a felicidade, a melancolia ou o êxtase.” (Pallasmaa, Juhani, The thinking hand) Entre demolições e super-heróis, Panorama procura representar a perda e a resistência à perda, a esperança e a resistência à esperança, temas que se querem apresentar comprimidos, justapostos, quase indistintos. A escolha de iniciar o filme no interior das Torres do Bairro do Aleixo, projectadas em 1968 por Manuel Teles, tem um evidente significado político, mas interessou mais ao realizador mostrar o vazio gerado pela demolição dos edifícios - que é também um reflexo do vazio existencial da personagem principal - do que propriamente explorar as fracturas ideológicas geradas pela opção política de justificar essa demolição com a existência de tráfico de droga, quando é claro que o motivo reside essencialmente no tráfico imobiliário de terrenos valiosos. O poder metafórico de transformar as Torres do Aleixo no lugar onde habitam duas das mais icónicas personagens da cultura popular – Lois Lane e o Super-Homem -, ainda que essa presença seja apenas implícita, é tão ou mais forte do que qualquer denúncia panfletária.
Com menos intencionalidade política mas idêntica presença arquitectónica, o filme utiliza como cenário real outros dois edifícios em altura do Porto: o Hotel Dom Henrique (1967), de José Carlos Loureiro, e o Edifício do Jornal de Notícias (1968), de Márcio Freitas. Lois trabalha num jornal e o edifício do diário nortenho é palco de uma ‘ascensão’ faseada em três níveis. O primeiro corresponde à redacção do jornal, localizada ainda no pódio onde assenta a torre, de onde a personagem observa o movimento da cidade, num plano onde se cruzam transeuntes, automóveis, autocarros e o metro, numa referência a Metropolis, de Fritz Lang, cujo cartaz, aliás, aparece fugazmente próximo do final do filme. Um segundo nível corresponde a um terraço intermédio, localizado na cobertura do pódio, onde Lois encontra vestígios da presença de Clark e observa ao longe a torre do Hotel Dom Henrique. O último nível desse percurso ascensional corresponde à cobertura do edifício em que, já com o vasto horizonte da cidade em fundo, percebemos o vazio que se instalou entre os dois personagens. Nas cenas rodadas no Hotel Dom Henrique – um edifício de perfil esguio que mistura influências do organicismo nórdico e do neo-realismo italiano - o sentido panorâmico mantém-se, explorando-se dois espaços-chave: o bar num dos últimos pisos, filmado num travelling que nos leva até à mesa onde Lois bebe um kriptónico cocktail verde, tendo em fundo um final de tarde pautado pelo voo constante das andorinhas; e uma das suites do Hotel, também num patamar elevado, vacilando acima de uma cidade fria e quase vazia, aqui metáfora da solidão da personagem. “Os edifícios não são construções abstractas e sem sentido, ou meras composições estéticas; eles são extensões e abrigos do nosso corpo, das nossas memórias, da nossa identidade e da nossa mente. Consequentemente, a arquitectura constrói-se também de confrontações existenciais, de experiências, de memórias e aspirações.” (Pallasmaa, Juhani. The Thinking Hand). No final, Lois encontra-se novamente no Bairro do Aleixo, ouvimos o som das demolições em curso e percebemos que Panorama foi um longo flash-forward.
Luis Urbano in "Entre dois mundos", 2015